O Café do Meu Pai
Para Nicanor, que escrevia até no vento
Eu escutando Nat King Cole
e de repente ele volta...
não só em sombras, não só em nome,
mas em cheiro de café fresco,
em passos que ecoam no corredor,
em xícaras que nunca mais se repetiram.
Meu pai trazia o mundo na palma da mão,
um café amargo e doce como a tarde,
um líquido que era memória antes de ser gole.
Nunca mais bebi nada igual...
porque não era café, era presença,
era um ritual de amor em forma de aroma.
Ele escrevia em qualquer coisa:
no verso do tempo, no papel de pão,
nas sobras do dia que ninguém guardava.
Suas palavras eram sementes
plantadas em caixas de sapato,
em envelopes velhos, no ar que respiro agora.
Lembrança é uma vida que não se apaga.
É o que fica quando o pó da xícara seca,
quando a música termina e o silêncio
me traz seus passos de novo.
Meu pai era um homem que cabia
numa canção, num verso, num gole frio
de algo que nunca mais será quente.
E eu escrevo... escrevo como ele,
em qualquer lugar, com qualquer coisa,
para que o café não esfrie de vez,
para que seus passos não virem poeira,
para que o papel de pão guarde,
para sempre, o pão da sua voz.
Paulo Franco.